Berço da Medicina
No final do século XIX, Porto Alegre era uma cidade muito modesta, tanto no aspecto cultural como no desenvolvimento material. Em todo o município, então incluía Guaíba e Barra do Ribeiro, moravam, aproximadamente 52 mil habitantes em 1890.
No setor cultural, eram numerosos os colégios de nível médio, assim como as associações literárias, teatrais e artísticas. Mas, a divulgação científica e a pesquisa eram insignificantes, e uma sociedade de medicina só veio a ser fundada em 1896.
O Estado carecia de tradição no ensino superior. Os destaques eram a Escola Militar, que existia desde 1872, proporcionando ensino profissional a oficiais do Exército, e o Seminário Diocesano, que formava padres católicos desde a década de cinquenta. No entanto, só em 1887 funcionariam os cursos de dois típicos institutos de ensino superior: os da Escola de Farmácia e da Escola de Engenharia, fundadas em curto intervalo, respectivamente em 1895 e 1896.
As estatísticas afirmam que Porto Alegre possuía 37 médicos em 1890, formados em Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia.
A ligação da Santa Casa com a profissão e o ensino médico sempre foi muito íntima. No Relatório do Provedor Joaquim Pedro Salgado, alusivo ao biênio 1888-1889, encontra-se um tópico bastante significativo a respeito da introdução do Ensino da Medicina no Rio Grande do Sul.
A última Assembleia Provincial na lei do orçamento para o ano que findou [1889], decretou uma loteria de 500:000$000 para a construção de uma Escola de Medicina no terreno anexo à Santa Casa. Ficou em estudos o plano desta loteria, cometido pela mesma lei a esta administração; a sua extração, não convém que se realize enquanto não melhorar a crise por que está passando o Estado Rio-grandense. Urge que, aproveitando-vos da ideia, trateis de levar avante a criação de uma Faculdade de Medicina neste Estado […].
A loteria extraordinária, distribuída em dez séries de extrações, ocorreu durante o ano de 1891, rendendo cada uma 11 contos de réis à Instituição, mas o benefício certamente era insuficiente para o objetivo pré-fixado, de modo que, nos anos subsequentes, os provedores não falaram mais em fundação de uma “Escola de Medicina”.
Entretanto, no decorrer do ano de 1897, concretizou-se dentro da Santa Casa e com o apoio dos médicos: Protásio Alves, Dioclécio Pereira da Silva, Carlos Frederico Nabuco e
Sebastião Afonso de Leão, o “Curso Livre de Partos”, destinado à formação de parteiras. Em seu relatório de 1° de janeiro de 1898, o Provedor Antônio Soares de Barcelos informa que ao ter reconhecimento da iniciativa daqueles médicos, autorizara o curso no próprio Serviço de Obstetrícia do Hospital, fornecendo-lhes os móveis e o instrumental necessário. O Curso inaugurou em 5 de abril de 1897, com dez alunas.
Diante do sucesso alcançado pelo Curso de Partos, animaram-se os seus organizadores a uma aproximação com a Faculdade de Farmácia, que se instalara em 1895 e operava sob a direção do farmacêutico Alfredo Leal, para a organização de uma Faculdade de Medicina. Está documentalmente provado que a ideia nasceu entre os professores do Curso de Partos e seu diretor, Dr. Protásio Alves, os quais em 18 de julho de 1898, dirigiram-se ao diretor da Escola de Farmácia:
Acordes na ideia, todos os professores do Curso de Partos, foi resolvido que a diretoria deste se encarregaria de convidar a Escola de Farmácia, para em ação comum fundarem a Faculdade de Medicina de Porto Alegre, de acordo com as condições que, oportunamente, teremos ocasião de estabelecer.
A fusão se concretizou em 25 de julho de 1898, consagrando-se o novo instituto com o nome de Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, origem inconteste da atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Faculdade iniciou suas aulas em março de 1899 e já a partir de 1900 a Santa Casa passou a abrigar, em uma de suas enfermarias, os indispensáveis exercícios de clínica médica.
A Santa Casa entrou no século XX trocando conhecimento com os alunos da Faculdade, que tinham as dependências da Santa Casa para a prática da medicina e ao mesmo tempo, auxiliavam no tratamento terapêutico dos pacientes que procuravam o Hospital.
A Faculdade acabou sendo absorvida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que viu a necessidade de construir o Hospital de Clínicas. Foi então que a direção da Santa Casa percebeu as dificuldades que se lhe oporiam, quando não mais pudesse contar, para a assistência aos indigentes, com o concurso dos catedráticos, assistentes, instrutores e estudantes da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Dessa percepção nasceu, em 1953, sendo provedor o Prof. Ruy Cirne Lima, a proposta endereçada ao Arcebispo Metropolitano Dom Vicente Scherer, de ser criada, sob os auspícios da Santa Casa, uma Faculdade Católica de Medicina, dirigida aos doentes do Hospital Geral para ensinar e praticar medicina. A proposta teve imediato acolhimento, datando de 8 de dezembro de 1953 o decreto de sua criação.
Depois de cautelosos estudos e programação, a pedra fundamental da futura Faculdade foi lançada em 23 de junho de 1957, no alinhamento da Rua Sarmento Leite, próximo à esquina da Avenida Osvaldo Aranha. Alimentada por verbas específicas, federais e estaduais, a construção teve um andamento relativamente rápido. A primeira turma de alunos ingressou, mediante concurso vestibular, no ano de 1961.
Em 1969, a Santa Casa abandonou a condição de entidade mantenedora da Faculdade, então transformada em Fundação Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre. Posteriormente, a mesma entidade adotou a denominação de Universidade Federal de Ciências Médicas da Saúde de Porto Alegre*.
*Texto escrito por Sérgio da Costa Franco e Ivo Stigger, contido no livro “Santa Casa: 200 anos”.