Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
No dia 15 de agosto de 1498 surgia em Portugal a Irmandade de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Maria da Misericórdia. E, embora haja dúvidas a respeito da iniciativa de sua criação, fora o rei Dom Manoel I que autorizara o funcionamento dessa instituição filantrópica. Também na Itália, para amenizar os problemas causados pelas guerras, pragas e surtos de fome, também se fez uso da filantropia nos momentos de crise, a exemplo da Misericórdia portuguesa.
Surgindo na Europa com funções muito mais assistenciais do que terapêuticas, as Misericórdias representam o resultado de uma sociedade que se urbanizava e proletarizava rapidamente, tendo então essa entidade caritativa a finalidade de dar atendimento aos pobres na doença, no abandono e na morte.
Para as Misericórdias que seguem as regras da Instituição portuguesa, sua administração fica a cargo da Irmandade. E, segundo o Compromisso de Lisboa, a Irmandade é uma reunião de fiéis, trezentos nobres, trezentos oficiais, vinte letrados sob os auspícios de “Nossa Senhora e de seu Bendito Filho Cristo Jesus Pai”. Este estatuto denominado Compromisso regulava a organização da Irmandade, sua composição, seu organograma, direitos e deveres. Contudo, passados mais de 500 anos, a constituição da Irmandade não é mais regulada por tais exigências.
A criação da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre é atribuída ao Irmão Joaquim Francisco do Livramento, religioso da Ordem Terceira de São Francisco, dedicado a esmolar em favor dos pobres e desvalidos. Criou várias obras assistenciais no Brasil, entre elas: o Hospital de Caridade da Ilha do Desterro (antigo nome de Florianópolis), uma casa para menores abandonados em Salvador, além de seminários no Rio de Janeiro, Itu e São Paulo.
Chegou em Porto Alegre no final do século XVIII, e ajudou na assistência aos desvalidos do povoado em enfermarias improvisadas. Então, os membros da Câmara fizeram do Irmão Joaquim seu representante para pleitear junto à Corte de Lisboa a autorização para fundar em Porto Alegre uma Santa Casa de Misericórdia.
Batizado como Joaquim Francisco Costa, era filho de Tomás Francisco da Costa e de Mariana Jacinta da Vitória. Trocou o sobrenome Costa, pelo de Livramento, por devoção à Nossa Senhora do Livramento. Em 1829, Irmão Joaquim faleceu em Marselha aos 78 anos de idade. A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre regeu-se pelo Compromisso de Lisboa até 1857, quando a Mesa Administrativa conscientizou-se de que aquele estatuto, que espelhava uma realidade de anos passados não poderia mais resolver os problemas que a sociedade gaúcha apresentava. Pelo novo Compromisso, para tornar-se Irmão, a condição primeira era de ser católico. Mas, por requerimento e pagando uma joia, qualquer cidadão do sexo masculino poderia sê-lo, desde que tivesse as seguintes qualidades:
1) Notória probidade e bons costumes
2) De boa consciência e temente a Deus
3) Modesto, caritativo e humilde, qual se requer para servir a Deus e seus pobres com a perfeição devida
4) Saber ler e escrever e contar e de boa inteligência
5) Ter vinte e um anos completos de idade, se for solteiro
6) Que não esteja pronunciado e não tenha sofrido alguma condenação passada em julgado por crime de homicídio, furto, roubo, bancarrota, estelionato, falsidade ou moeda falsa
7) Que não tenha sido escravo ou casado com mulher de cor preta
8) Que não esteja ao salário da Santa Casa na ocasião de pretender entrar de Irmão
9) Que seja abastado de bens ou pelo menos tenha comércio, emprego ou oficio rendoso de maneira que possa acudir ao serviço da Irmandade sem cair em necessidade e sem suspeita de se aproveitar do que correr por suas mãos.
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre constituía-se, pois, de pessoas de elevado nível econômico e cultural com projeção social, seja por prestação de serviços ou mesmo pela ocupação de cargos na estrutura da administração pública.
Mesmo não sendo um órgão público, a Instituição tinha estreito relacionamento com o governo. Não foram poucos os presidentes da Província que ocuparam, ao mesmo tempo o cargo de Provedor da Santa Casa ou atuaram na mesa Administrativa ou ainda junto às mordomias. Alguns auxiliaram a Instituição na obtenção de recursos, através do seu prestígio, de donativos e de isenções de impostos.
Ao lado dos irmãos leigos participavam também da Irmandade, os religiosos. É importante salientar o papel da Igreja na manutenção e desenvolvimento da Instituição. Ao lado dos serviços temporais, de assistência, situavam-se os espirituais. A construção da capela, a proteção do Senhor dos Passos, a participação nos eventos religiosos da comunidade, o atendimento espiritual aos doentes, registrados nos documentos da Instituição, desde a sua fundação, revelam o zelo espiritual praticado na Santa Casa.
Ao longo de sua trajetória, a Irmandade teve caráter assistencial abrangente, ligando-se com a comunidade através dos desprovidos, como o doente, o menor abandonado, o velho, o pobre e os acometidos de loucura.
Estando à frente de seu tempo, para além de prover os necessitados, desde o século XIX, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre vem acompanhando as modificações que ocorrem na sociedade local e regional, tornando-se ao longo do século XX um complexo hospitalar voltado para a cura e o desenvolvimento científico da medicina. Atualmente, a administração da Irmandade alia na sua prática a visão assistencial e terapêutica modernas ao ensino e à pesquisa.